terça-feira, 3 de maio de 2016

2° Dança na Roda

Encontro reuniu Afro e Danças Urbanas em bate-papo protagonizado por Giovana Gonzaga e Yuriê Perazzini




No último dia 23, sábado, o foyer do Teatro Carlos Gomes se transformou em palco para um rico debate sobre dança, atitude, cultura negra e processos de formação e criação. O segundo Dança na Roda contou com a participação das artistas e professoras Giovana Gonzaga, da Cia NegraÔ, e Yuriê Perazzini, das Danças Urbanas, além de um público diversificado, entre dançarinos, estudantes, pesquisadores e interessados no tema. O encontro fez parte do “Processos 012”, evento realizado por projetos contemplados pelo edital de Artes Cênicas da Secult, e deu continuidade às rodas de bate-papo propostas pelo Portal Dança no ES. A terceira e última edição do Dança na Roda acontecerá no dia 7 de maio, às 15h, no mesmo local, com a presença da performer Rubiane Maia e da bailarina e atriz Carla Van Den Bergen, do Grupo Z de Teatro.


Atualmente na função de direção coreográfica da Cia NegraÔ, Giovana falou sobre seu processo de amadurecimento, que a levou de intérprete para coreógrafa do grupo. Seguindo a referência de trabalho do coreógrafo Gil Mendes, que esteve à frente do grupo por muitos anos, Giovana aposta no trabalho colaborativo. “O NegraÔ é minha essência, minha base de dança, minha escola. Dentro do NegraÔ, fui descobrir a essência do criar. Gil Mendes sempre nos deu essa oportunidade, ele nunca faz um trabalho sozinho”, ressalta.

A artista participou de vários processos criativos, mas considera sua profissionalização, de fato, a partir do NegraÔ. Como coreógrafa do grupo, está em seu segundo trabalho, sendo o primeiro “O Congado”, que, sobre uma base contemporânea, trouxe imagens e figuras do Congo que são pouco vistas e conhecidas. Agora, o grupo encara uma nova etapa em sua trajetória, assim como a própria Giovana. “É um processo novo na minha vida. Eu sempre fui intérprete e, hoje, estou em um processo de também pensar no que significa a dança para mim. A dança realmente é minha vida”, diz.

Com “Negros de todas as cores”, título do novo trabalho, a proposta é buscar outras referências em ritmos e estilos que dialoguem intimamente com a cultura afro, sem perder suas raízes, o que tem, inclusive, colocado o grupo em contato com a própria Yuriê Perazzini na sala de ensaio e pesquisa. “Quando a gente vive a cultura afro, a gente tem tantos caminhos para seguir... Eu acho que é essa busca que estou trazendo para o NegraÔ”, sublinha Giovana.

A diversidade também permeia a concepção de técnica que a coreógrafa utiliza. “Acho a técnica necessária, funcional, mas existem muitos corpos. Cansei desse mundinho do padrão corporal, acho que cada corpo tem um processo de criar”, aponta. Do mesmo modo, investe em novas leituras em seu projeto paralelo, a Cia de Dança Alfazema, na qual trabalha com a dança afro buscando suavidade e leveza, sem o peso e o impacto característicos de sua versão tradicional.


Na batida das ruas


Padrão também foi algo em que Yuriê Perazzini nunca acreditou. Desde muito cedo, a artista começou a buscar o que a movia – literalmente. Aos cinco anos, entrou para o ballet, onde não ficou mais que duas semanas. “Eu era muito agitada! Fui para o jazz e fiquei alguns anos. Depois de um tempo, também não conseguia mais me encaixar nele, eu fazia uns movimentos muito diferentes”, conta.

Já adolescente, Yuriê entrou para o Vitória Street Dance, grupo dirigido por Lalau Martins (a quem Yuriê rendeu homenagens e agradecimento durante sua fala), e iniciou sua carreira nas danças urbanas. A partir daí, acumulou experiências, colecionou referências nacionais e internacionais na área, conheceu pessoas e foi para o mundo. Com Zênia Cáo, formou uma dupla e viajou em busca de mais conhecimento. Yuriê fez cursos em São Paulo, pesquisou na Jamaica e na África, entre outros lugares, e encontrou um universo muito maior do que esperava. “Conheci uma galera em São Paulo, fizemos um intensivo lá. Tivemos que começar praticamente do zero, não sabíamos fundamentos, nomes dos tipos de dança”, diz.

A cada descoberta de um novo estilo de dança urbana, Yuriê conta que chorava, uma vez que descobria, aos poucos, a si mesma. Com o tempo e sua constante busca por saber mais, a artista se pôs em contato com diversas vertentes, a exemplo do ragga jam, que, como ela explica, é uma fusão de danças jamaicanas com hip hop. “Fiquei dois anos na equipe Ragga Jam Brasil, tinha que ir para São Paulo de dois em dois meses”, lembra.

Diante das dificuldades que encontrava e do desejo de investir no próprio Estado, Yuriê deu início à UDES (União de Dançarinos do Espírito Santo) e, juntamente com parceiros, a exemplo de Priscila Foquinha (in memorian), tocou o projeto adiante, com encontros mensais, inicialmente sem nenhum apoio financeiro. Os Encontros de Danças Urbanas, promovidos pela UDES, existem há sete anos e acontecem até hoje, todo terceiro sábado do mês.

Além disso, a artista falou do lançamento recente de um novo projeto, o Casu (Casa Urbana), que pretende dedicar aulas específicas para cada um dos estilos de dança urbana, que, como ela explica, são vários. “É começar a entender as especificidades e a riqueza que existem nas danças urbanas. Eu tenho paixão por essa cultura e é fundamental esse olhar de que cada tipo de dança tem sua importância”, destaca.

Yuriê sempre foi plural. Com formação também na capoeira e no curso de graduação em Educação Física, ela experimentou diversas linguagens de dança para compor o que hoje é seu trabalho. Foi pioneira do flash mob no Estado, tem consciência da sua responsabilidade social como educadora, difusora e fundadora da cultura das danças urbanas no Estado, e se coloca no lugar do underground (no sentido do não acadêmico), mesmo sabendo que ocupar espaços é preciso. “Pego firme na questão de que tem que ir para o teatro, sim; tem que ir para o lugar da galera rica, sim; tem que trazer a galera rica junto com os pobres, sim”, afirma.



Processos e encontros


O encontro das duas artistas da dança tem sido produtivo para além da Roda. Giovana contou que Yuriê foi uma parte importante no novo processo de pesquisa e criação do NegraÔ, que deverá abordar também as danças urbanas, funk, kuduro, entre outros ritmos, sem perder o tom da dança afro, característica principal do grupo.

“Não deixamos nossa essência, mas vejo várias vertentes na cultura afro, vindas do gueto, da comunidade. Estou muito feliz de ver o NegraÔ poder subir ao palco e representar guetos. A galera está trabalhando com o passinho. Quem já assistiu ao passinho no palco? É pouco!”, observa Giovana. “Negros de todas as cores” surgiu de uma das bailarinas do grupo, que sonhou com o título, e apenas isso. A partir daí, iniciou-se todo o processo de criação.

Giovana explicou que, tradicionalmente, a dança afro tem suas bases nas matrizes africanas, com dança dos orixás, samba reggae, afro contemporâneo, além de possuir uma energia muito forte do dançarino com o chão. Muitos movimentos surgem, por exemplo, inspirados nas atividades cotidianas de negros escravizados, como o trabalho de lavar, socar, assim como sua relação com as divindades. Cria-se, portanto, uma célula coreográfica, mas cada indivíduo, de acordo com seu repertório, encontra sua maneira de se movimentar.

“Adoro o corpo cru, ele tem muito o que mostrar, não gosto tanto do vício. Por isso, estamos trazendo uma nova roupagem. Cada corpo vai em busca daquilo que entende”, pontua Giovana, que, como profissional, gosta de ver a transformação dos corpos ao longo do trabalho. As mesclas que fazem parte do novo processo deverão marcar, inclusive, a própria passagem do grupo. “A gente quer ousar tanto em movimento quanto em história. O NegraÔ tem esse direito, não existem limitações. A gente vai experimentar porque faz parte da nossa cultura”, acrescenta a coreógrafa.

Sem sair do universo de uma cultura de legítima influência negra, o processo criativo de Yuriê nas danças urbanas também conta com uma mistura de linguagens. Ela explica que cada ritmo tem sua marcação, suas bases de movimento, mas, quando cria, costuma partir de um ponto de vista pessoal, que inclui até seu histórico com a capoeira. Influências de berimbau, atabaques, batuques, batimentos cardíacos, traços gays extraídos de revista de top model, tudo isso já foi elemento de criação para a artista.




O Dança na Roda é um evento gratuito, promovido pelo Portal Dança no ES, que pretende reunir público e artistas locais para compartilharem suas experiências criativas. As rodas acontecem no foyer do Teatro Carlos Gomes, das 15h às 18h, e é aberta a todos interessados pelo tema. Até a próxima!





Um comentário:

  1. Obrigada a toda equipe pelo excelente trabalho e todo carinho e cuidado ao tratar o profissional e sua arte. Inesquecível.
    Só gratidão no coração!!

    ResponderExcluir