Encontro reuniu Afro e Danças Urbanas em bate-papo protagonizado por Giovana Gonzaga e Yuriê Perazzini
No último dia 23, sábado, o foyer do Teatro Carlos Gomes se transformou em palco para um rico debate sobre dança, atitude, cultura negra e processos de formação e criação. O segundo Dança na Roda contou com a participação das artistas e professoras Giovana Gonzaga, da Cia NegraÔ, e Yuriê Perazzini, das Danças Urbanas, além de um público diversificado, entre dançarinos, estudantes, pesquisadores e interessados no tema. O encontro fez parte do “Processos 012”, evento realizado por projetos contemplados pelo edital de Artes Cênicas da Secult, e deu continuidade às rodas de bate-papo propostas pelo Portal Dança no ES. A terceira e última edição do Dança na Roda acontecerá no dia 7 de maio, às 15h, no mesmo local, com a presença da performer Rubiane Maia e da bailarina e atriz Carla Van Den Bergen, do Grupo Z de Teatro.
Atualmente na função de direção coreográfica da Cia NegraÔ, Giovana falou sobre seu processo de amadurecimento, que a levou de intérprete para coreógrafa do grupo. Seguindo a referência de trabalho do coreógrafo Gil Mendes, que esteve à frente do grupo por muitos anos, Giovana aposta no trabalho colaborativo. “O NegraÔ é minha essência, minha base de dança, minha escola. Dentro do NegraÔ, fui descobrir a essência do criar. Gil Mendes sempre nos deu essa oportunidade, ele nunca faz um trabalho sozinho”, ressalta.
A artista participou de vários processos criativos, mas
considera sua profissionalização, de fato, a partir do NegraÔ. Como coreógrafa
do grupo, está em seu segundo trabalho, sendo o primeiro “O Congado”, que,
sobre uma base contemporânea, trouxe imagens e figuras do Congo que são pouco
vistas e conhecidas. Agora, o grupo encara uma nova etapa em sua trajetória, assim
como a própria Giovana. “É um processo novo na minha vida. Eu sempre fui
intérprete e, hoje, estou em um processo de também pensar no que significa a
dança para mim. A dança realmente é minha vida”, diz.
Com “Negros de todas as cores”, título do novo trabalho, a
proposta é buscar outras referências em ritmos e estilos que dialoguem intimamente
com a cultura afro, sem perder suas raízes, o que tem, inclusive, colocado o
grupo em contato com a própria Yuriê Perazzini na sala de ensaio e pesquisa.
“Quando a gente vive a cultura afro, a gente tem tantos caminhos para seguir...
Eu acho que é essa busca que estou trazendo para o NegraÔ”, sublinha Giovana.
A diversidade também permeia a concepção de técnica que a
coreógrafa utiliza. “Acho a técnica necessária, funcional, mas existem muitos
corpos. Cansei desse mundinho do padrão corporal, acho que cada corpo tem um
processo de criar”, aponta. Do mesmo modo, investe em novas leituras em seu
projeto paralelo, a Cia de Dança Alfazema, na qual trabalha com a dança afro
buscando suavidade e leveza, sem o peso e o impacto característicos de sua
versão tradicional.
Na batida das ruas
Padrão também foi algo em que Yuriê Perazzini nunca
acreditou. Desde muito cedo, a artista começou a buscar o que a movia –
literalmente. Aos cinco anos, entrou para o ballet, onde não ficou mais que
duas semanas. “Eu era muito agitada! Fui para o jazz e fiquei alguns anos.
Depois de um tempo, também não conseguia mais me encaixar nele, eu fazia uns
movimentos muito diferentes”, conta.

A cada descoberta de um novo estilo de dança urbana, Yuriê
conta que chorava, uma vez que descobria, aos poucos, a si mesma. Com o tempo e
sua constante busca por saber mais, a artista se pôs em contato com diversas
vertentes, a exemplo do ragga jam, que, como ela explica, é uma fusão de danças
jamaicanas com hip hop. “Fiquei dois anos na equipe Ragga Jam Brasil, tinha que
ir para São Paulo de dois em dois meses”, lembra.
Diante das dificuldades que encontrava e do desejo de
investir no próprio Estado, Yuriê deu início à UDES (União de Dançarinos do
Espírito Santo) e, juntamente com parceiros, a exemplo de Priscila Foquinha (in memorian), tocou o projeto adiante,
com encontros mensais, inicialmente sem nenhum apoio financeiro. Os Encontros de Danças Urbanas, promovidos pela UDES, existem há sete anos e acontecem até hoje, todo terceiro sábado do mês.
Além disso, a artista falou do lançamento recente de um novo
projeto, o Casu (Casa Urbana), que pretende dedicar aulas específicas para cada
um dos estilos de dança urbana, que, como ela explica, são vários. “É começar a entender as especificidades e a
riqueza que existem nas danças urbanas. Eu tenho paixão por essa cultura e é
fundamental esse olhar de que cada tipo de dança tem sua importância”, destaca.
Yuriê sempre foi plural. Com formação também na capoeira e
no curso de graduação em Educação Física, ela experimentou diversas linguagens
de dança para compor o que hoje é seu trabalho. Foi pioneira do flash mob no
Estado, tem consciência da sua responsabilidade social como educadora, difusora e fundadora da cultura das danças urbanas no Estado, e se coloca no
lugar do underground (no sentido do
não acadêmico), mesmo sabendo que ocupar espaços é preciso. “Pego firme na
questão de que tem que ir para o teatro, sim; tem que ir para o lugar da galera
rica, sim; tem que trazer a galera rica junto com os pobres, sim”, afirma.
Processos e encontros
O encontro das duas artistas da dança tem sido produtivo para
além da Roda. Giovana contou que Yuriê foi uma parte importante no novo
processo de pesquisa e criação do NegraÔ, que deverá abordar também as danças
urbanas, funk, kuduro, entre outros ritmos, sem perder o tom da dança afro,
característica principal do grupo.
“Não deixamos nossa essência, mas vejo várias vertentes na
cultura afro, vindas do gueto, da comunidade. Estou muito feliz de ver o NegraÔ
poder subir ao palco e representar guetos. A galera está trabalhando com o
passinho. Quem já assistiu ao passinho no palco? É pouco!”, observa Giovana. “Negros de todas as cores” surgiu de uma das bailarinas do grupo, que sonhou com o
título, e apenas isso. A partir daí, iniciou-se todo o processo de criação.
Giovana explicou que, tradicionalmente, a dança afro tem suas
bases nas matrizes africanas, com dança dos orixás, samba reggae, afro
contemporâneo, além de possuir uma energia muito forte do dançarino com o chão.
Muitos movimentos surgem, por exemplo, inspirados nas atividades cotidianas de
negros escravizados, como o trabalho de lavar, socar, assim como sua relação
com as divindades. Cria-se, portanto, uma célula coreográfica, mas cada
indivíduo, de acordo com seu repertório, encontra sua maneira de se movimentar.
“Adoro o corpo cru, ele tem muito o que mostrar, não gosto
tanto do vício. Por isso, estamos trazendo uma nova roupagem. Cada corpo vai em
busca daquilo que entende”, pontua Giovana, que, como profissional, gosta de
ver a transformação dos corpos ao longo do trabalho. As mesclas que fazem parte
do novo processo deverão marcar, inclusive, a própria passagem do grupo. “A
gente quer ousar tanto em movimento quanto em história. O NegraÔ tem esse
direito, não existem limitações. A gente vai experimentar porque faz parte da
nossa cultura”, acrescenta a coreógrafa.
O Dança na Roda é um evento gratuito, promovido
pelo Portal Dança no ES, que pretende reunir público e artistas locais
para compartilharem suas experiências criativas. As rodas acontecem
no foyer do Teatro Carlos Gomes, das 15h às 18h, e é aberta a todos
interessados pelo tema. Até a próxima!
Obrigada a toda equipe pelo excelente trabalho e todo carinho e cuidado ao tratar o profissional e sua arte. Inesquecível.
ResponderExcluirSó gratidão no coração!!