sexta-feira, 13 de maio de 2016

3º Dança na Roda

Encontro de linguagens em bate-papo com Rubiane Maia e Carla van den Bergen encerra o Dança na Roda




Com público diversificado, o terceiro e último Dança na Roda aconteceu na tarde de sábado (7/05) e já deixa saudades, ao menos por enquanto! No encontro, as artistas convidadas Carla van den Bergen, do Grupo Z de Teatro, e Rubiane Maia falaram sobre seus trabalhos, suas experiências artísticas, como dialogam com a dança, cada qual a seu modo, e sobre como se colocam politicamente através de seus projetos.

Rubiane Maia contou sobre sua formação em Artes Visuais e sua incursão pelo universo da performance. “A performance sempre me atraiu durante a graduação porque ela não pertence a lugar nenhum e, dentro de outros segmentos, como a dança e o teatro, é aquilo que nem sempre as pessoas conseguem explicar direito o que é. Essa incógnita é um material rico para eu pensar minhas relações com o outro, com o espaço, o tempo, o que compõe meu cotidiano”, explica.

A artista, que começou seu trabalho com intervenções urbanas, seguiu, ao longo dos anos, investigando a si mesma, suas relações com o mundo em diversas perfomances solo, por vezes, cruzando experiências também com instalações, vídeo e fotografia, passando por diversas cidades dentro e fora do Brasil. “De certa maneira, minhas performances começam com uma ideia de auto-sabotagem. De que maneira eu poderia me desarticular numa situação que fosse completamente diferente desse cotidiano que anestesia muito a gente e, ao mesmo tempo, usar elementos que fizessem parte desse cotidiano, da minha história, como elementos presentes e simbólicos para construir a ação, imagem e linguagem”, diz. Formou-se mestre em Psicologia Institucional, e, na cidade de São Paulo, participou, no ano passado, da exposição “Terra Comunal – Marina Abramovic + MAI” com a performance “O Jardim”, na qual cultivou sementes, por dois meses, oito horas por dia, até que se transformassem em plantas.

Rubiane também experimentou seus limites em performances anteriores, a exemplo de uma em que tinha de se movimentar sobre o vidro de um vaso quebrado sem se machucar, enquanto comia rosas, e de outra em que tomava uma dose específica de medicamento de tarja preta a cada meia hora, até chegar a um estado de letargia e memória alterada, completamente diferente do de um corpo sem o ansiolítico. “Essas duas performances criaram um estado corporal, para mim, muito surpreendente. Me levaram a outros trabalhos depois que estão reverberando de maneira cada vez mais profunda, me fazendo pensar conexões entre corpo e tudo ao redor”, aponta a artista.

“O Jardim”, sem dúvida, foi um marco para a artista neste encontro com a dança, em um sentido amplo de movimentação, levando-a ao atual projeto intitulado “Preparação para exercício aéreo”. Ela conta que, quando estava acompanhando o crescimento das plantas (feijões), passou a observar o micro movimento delas, como elas iam se apoiando nas outras, saindo do solo e ganhando o espaço aéreo, quase como em uma coreografia. “Esse exercício de olhar passou a ser também para o meu corpo. É um devir vegetal, que é um tempo completamente diferente do nosso. A planta fazia um micro movimento e eu tentava encontrá-lo no meu corpo e permanecer. Comecei a trabalhar com foco no micro movimento, no espaço aéreo e na inação, de que maneira isso me provocava para um estado de performance-dança, que era dança das plantas”, diz a artista, que também produziu uma série de cadernos cheio de desenhos abstratos sobre essa experiência.

Em “Preparação para exercício aéreo”, que já está em andamento, Rubiane trata da relação do ser humano com o desejo de voar, tanto a partir da figura do animal-pássaro, quanto por meio de máquinas. Em seus estudos, uma frase do filósofo Nietzsche a inspirou: “Quem deseja aprender a voar, deve primeiro aprender a caminhar, a correr, a escalar e a dançar. Não se aprende a voar voando”. A base do projeto, então, passou a ser ir para lugares de elevada altitude, que remetessem ao voo, onde ela buscaria se relacionar com esses espaços e registrar essas experimentações em vídeo.

Desse modo, na primeira etapa do trabalho, a artista fez uma experiência de 29 dias no deserto da Bolívia, deixando se contaminar pelas interferências do ambiente, como o clima, a altitude e a própria paisagem. Nas próximas etapas, Rubiane subirá o Pico da Bandeira e o Monte Roraima, no Brasil. “São dois projetos: preparação para exercício aéreo no deserto e preparação para exercício aéreo na montanha, que estou prestes a executar”, conta.


O corpo na criação compartilhada


Enquanto Rubiane Maia parte, muitas vezes, de um trabalho individual – ainda que seja permeado por sua relação com o outro e com o meio em que se insere –, Carla van den Bergen costuma desenvolver suas criações de forma compartilhada. “Meu processo sempre tem a ver com o diálogo e parece começar sempre com o que gostaríamos de dizer. Esses desejos vão aparecendo até mesmo em conversas entre nós, no nosso desenvolvimento pessoal e coletivo. A partir disso, vem a escolha da linguagem, de como queremos dizer isso que queremos dizer”, aponta Carla, que é bailarina e pertence ao Grupo Z de Teatro, com trabalhos como intérprete, diretora, coreógrafa e de concepção de luz.

O grupo costuma discutir e experimentar propostas que, muitas vezes, surgem dos diretores, Carla van den Bergen e Fernando Marques, mas o trabalho nunca é unidirecional. Ao contrário, como explica Carla, o material que surge em sala é experimentado, volta à direção, retorna aos intérpretes e vai sendo construído nesse fluxo criativo constante e compartilhado.

A artista destaca que o trabalho corporal é muito presente no grupo (que utiliza a classificação de dança-teatro mais por uma necessidade de comunicar aos outros sobre o que fazem) e aposta na diferenciação e particularidade dos corpos para criar. “Não me interessa o que uniformiza os corpos, mas sim o que os diferencia, a expressão artística de cada um deles. Nós podemos executar o mesmo movimento no espaço sem que sejamos iguais”, diz.

Em seu processo de criação, Carla conta que costuma observar quais são as sensações que lhe causa o movimento do outro e experimentar e entender em seu próprio corpo tais movimentos e sensações propostos. Assim, vai compondo o que seria equivalente a cada palavra, colocada antes ou depois de outra, construindo frases de movimento, parágrafos, capítulos, até chegar à obra. “O movimento tem um sentido, que, às vezes, não dá para explicar em palavras, mas que se constrói”, aponta.

A intenção do movimento é primordial para a artista: “Esse desenho no espaço não me preenche se não conseguir dizer algo com isso”. Segundo Carla, tensões, relaxamento, relação com a gravidade e todas as outras possibilidades fazem sentido quando dizem algo, ainda que o caminho para a construção do sentido seja de mão-dupla. “Posso dizer ‘procurem uma qualidade de leveza’, por exemplo, mas, às vezes, posso chegar à leveza por conta do que quero dizer. Os dois caminhos, para mim, são interessantes”, afirma.

Carla aponta que as influências que incidem sobre a movimentação podem se dar a partir de diversas vias, como uma imagem ou uma palavra. Ela explica que as possibilidades são infinitas em termos de criação, mas o que parece se repetir em seu processo criativo é realmente “o olhar sobre o corpo do outro, o diálogo com a criação do outro, as relações com outras formas artísticas, e o impulso que vem do meu corpo”.

Assim como aconteceu no processo do espetáculo “Insone”, Carla diz que, ainda quando parte dela alguma proposição de movimento para o grupo, costuma conduzir experimentações a partir de um desejo corporal, uma intenção, que ganhará a roupagem particular de quem executa. “É como se eu estivesse em cena e dissesse ‘gente, experimenta isso’, e a gente vai construindo junto”.


Dança das linguagens


Conectar seu trabalho à dança ou ao corpo não parecia ser algo óbvio para Rubiane quando iniciou suas pesquisas em performance. A artista conta que suas experiências anteriores com dança, em seu sentido mais formal, foram poucas e de “inadequação”. “O corpo, para mim, sempre foi um lugar muito estranho. A performance, para mim, tinha mais a ver com algo terapêutico, mas é inegável que ela provoca o autoconhecimento do corpo. Também a precariedade de elementos em uma performance faz restar o corpo”, avalia.

Em todo caso, não se preocupa tanto com definições daquilo que faz. Dar nome, também para ela, surge mais como uma necessidade de comunicação, até porque, na prática, seu trabalho passeia e se deixa influenciar por diferentes linguagens, como o vídeo, a fotografia, a literatura e o cinema: “vou buscando deixar essas coisas virem, refinar os conceitos que me interessam, tentar buscar essas imagens internas, de que formas elas surgem, e vou juntando essa bagagem”.

Além disso, Rubiane falou sobre o registro e a documentação da perfomance contemporânea e em como a intervenção de um fotógrafo e as imagens que são produzidas, por exemplo, podem comprometer totalmente o sentido de seu trabalho. “Eu me sentia muito agredida por algumas imagens, então, eu passei de um estágio de não saber que isso acontecia para, de repente, conversar com quem vai fazer isso e, depois, comecei a pensar em que imagem eu queria, e foi quando eu comecei a pensar que eu mesma podia produzir a imagem, além da ação”, diz. A artista destaca que o uso do vídeo em seu trabalho surge também nesse contexto contemporâneo de saturação da imagem. “A gente tem que pensar muito em documentação, em questões éticas, e ética é muito pouco discutida no meio artístico”, acrescenta.


Enraizar para voar: a gravidade em “Insone”


Carla van den Bergen também falou sobre a oficina “Do chão ao voo, da palavra ao corpo”, que aborda o processo de preparação do Grupo Z para o espetáculo “Insone” e que deverá ser ministrada em Vitória no segundo semestre. A artista conta que o trabalho, compartilhado na oficina, está muito relacionado à influência da gravidade sobre o corpo, quando ele resiste, quando ele se entrega.

Nesse processo, a escolha de um colchão como espaço cênico interferiu totalmente na movimentação dos intérpretes, redirecionando a criação. “Há uma série de saltos, mas não é só um estudo de planos, é como a gente se relaciona com a gravidade. Só entendendo o enraizamento, eu posso entender o salto. É o entendimento de que, sem o chão, a gente não voa”, frisa Carla, concordando com Rubiane quando ressalta o mesmo em sua pesquisa em “Preparação para exercício aéreo”.


A arte como posicionamento político


As convidadas também falaram sobre seus ofícios dentro do atual cenário político e como utilizam a arte para se colocarem politicamente. “Eu acredito muito na ideia de micropolítica, de disseminação e contágio, que começa a partir de momentos como este aqui, em que a gente consegue compartilhar as nossas descobertas e inquietações, e que a gente precisa fortalecer”, aponta Rubiane, que também pensa que palavras como permanência e sobrevivência sejam importantes para quem faz arte.

Carla reforça que o trabalho do artista é de formiguinha, que, devagar, pode ir contaminando o público, e que o entendimento de que o outro não é igual a você, de que um corpo é diferente do outro, de que cada pessoa é única, é um bom começo para o respeito à diferença, tão necessário para dias melhores. “Isso já acontece com o nosso processo interno e, se for levado para outras camadas, o resultado seria bom, mas é um trabalho micro. Ao mesmo tempo, é importante o que a gente diz em nosso trabalho, a fala do respeito a cada um, assim como as questões de gênero, mulher, indígena, dos que estão à margem, entre outros temas”, diz.





Rubiane Maia fará uma mostra em vídeo do processo atual, “Preparação para exercício aéreo”, seguida de bate-papo, no dia 30 de maio, no Cemuni V (Ufes), em parceria com o BAILE, às 18h. Na sequência, nos dias 31 e 1º de junho, ministrará uma oficina de performance, das 14h às 18h. Os interessados na oficina deverão enviar para o e-mail rubiane.art@gmail.com um currículo resumido e dizer por que têm interesse em participar.


O Dança na Roda foi um evento gratuito, promovido pelo Portal Dança no ES, que reuniu público e artistas locais para compartilharem suas experiências criativas. As rodas aconteceram no foyer do Teatro Carlos Gomes e estiveram abertas a todos interessados pelo tema.
O Portal Dança no ES é um projeto contemplado pelo edital Setorial de Artes Cênicas/Dança 2015 da Secult ES / Funcultura. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário