Encontro de linguagens em bate-papo com Rubiane Maia e Carla van den Bergen encerra o Dança na Roda
Com público diversificado, o
terceiro e último Dança na Roda aconteceu na tarde de sábado (7/05) e já deixa
saudades, ao menos por enquanto! No encontro, as artistas convidadas Carla van den Bergen, do Grupo Z de Teatro, e Rubiane Maia falaram sobre seus trabalhos,
suas experiências artísticas, como dialogam com a dança, cada qual a seu modo,
e sobre como se colocam politicamente através de seus projetos.
Rubiane Maia contou sobre sua
formação em Artes Visuais e sua incursão pelo universo da performance. “A
performance sempre me atraiu durante a graduação porque ela não pertence a
lugar nenhum e, dentro de outros segmentos, como a dança e o teatro, é aquilo
que nem sempre as pessoas conseguem explicar direito o que é. Essa incógnita é
um material rico para eu pensar minhas relações com o outro, com o espaço, o
tempo, o que compõe meu cotidiano”, explica.
A artista, que começou seu
trabalho com intervenções urbanas, seguiu, ao longo dos anos, investigando a si
mesma, suas relações com o mundo em diversas perfomances solo, por vezes,
cruzando experiências também com instalações, vídeo e fotografia, passando por
diversas cidades dentro e fora do Brasil. “De certa maneira, minhas
performances começam com uma ideia de auto-sabotagem. De que maneira eu poderia
me desarticular numa situação que fosse completamente diferente desse cotidiano
que anestesia muito a gente e, ao mesmo tempo, usar elementos que fizessem parte
desse cotidiano, da minha história, como elementos presentes e simbólicos para
construir a ação, imagem e linguagem”, diz. Formou-se mestre em Psicologia
Institucional, e, na cidade de São Paulo, participou, no ano passado, da
exposição “Terra Comunal – Marina Abramovic + MAI” com a performance “O Jardim”,
na qual cultivou sementes, por dois meses, oito horas por dia, até que se
transformassem em plantas.
Rubiane também experimentou seus
limites em performances anteriores, a exemplo de uma em que tinha de se
movimentar sobre o vidro de um vaso quebrado sem se machucar, enquanto comia
rosas, e de outra em que tomava uma dose específica de medicamento de tarja
preta a cada meia hora, até chegar a um estado de letargia e memória alterada,
completamente diferente do de um corpo sem o ansiolítico. “Essas duas
performances criaram um estado corporal, para mim, muito surpreendente. Me
levaram a outros trabalhos depois que estão reverberando de maneira cada vez
mais profunda, me fazendo pensar conexões entre corpo e tudo ao redor”, aponta
a artista.
“O Jardim”, sem dúvida, foi um
marco para a artista neste encontro com a dança, em um sentido amplo de
movimentação, levando-a ao atual projeto intitulado “Preparação para exercício
aéreo”. Ela conta que, quando estava acompanhando o crescimento das plantas
(feijões), passou a observar o micro movimento delas, como elas iam se apoiando
nas outras, saindo do solo e ganhando o espaço aéreo, quase como em uma
coreografia. “Esse exercício de olhar passou a ser também para o meu corpo. É
um devir vegetal, que é um tempo completamente diferente do nosso. A planta
fazia um micro movimento e eu tentava encontrá-lo no meu corpo e permanecer.
Comecei a trabalhar com foco no micro movimento, no espaço aéreo e na inação,
de que maneira isso me provocava para um estado de performance-dança, que era
dança das plantas”, diz a artista, que também produziu uma série de cadernos
cheio de desenhos abstratos sobre essa experiência.
Em “Preparação para exercício
aéreo”, que já está em andamento, Rubiane trata da relação do ser humano com o
desejo de voar, tanto a partir da figura do animal-pássaro, quanto por meio de
máquinas. Em seus estudos, uma frase do filósofo Nietzsche a inspirou: “Quem deseja aprender a voar, deve primeiro aprender a caminhar, a correr,
a escalar e a dançar. Não se aprende a voar voando”. A base do projeto,
então, passou a ser ir para lugares de elevada altitude, que remetessem ao voo,
onde ela buscaria se relacionar com esses espaços e registrar essas
experimentações em vídeo.
Desse modo, na primeira etapa do
trabalho, a artista fez uma experiência de 29 dias no deserto da Bolívia,
deixando se contaminar pelas interferências do ambiente, como o clima, a
altitude e a própria paisagem. Nas próximas etapas, Rubiane subirá o Pico da
Bandeira e o Monte Roraima, no Brasil. “São dois projetos: preparação para
exercício aéreo no deserto e preparação para exercício aéreo na montanha, que
estou prestes a executar”, conta.
O corpo na criação compartilhada
Enquanto Rubiane Maia parte,
muitas vezes, de um trabalho individual – ainda que seja permeado por sua
relação com o outro e com o meio em que se insere –, Carla van den Bergen
costuma desenvolver suas criações de forma compartilhada. “Meu processo sempre
tem a ver com o diálogo e parece começar sempre com o que gostaríamos de dizer.
Esses desejos vão aparecendo até mesmo em conversas entre nós, no nosso
desenvolvimento pessoal e coletivo. A partir disso, vem a escolha da linguagem,
de como queremos dizer isso que queremos dizer”, aponta Carla, que é bailarina
e pertence ao Grupo Z de Teatro, com trabalhos como intérprete, diretora,
coreógrafa e de concepção de luz.
O grupo costuma discutir e
experimentar propostas que, muitas vezes, surgem dos diretores, Carla van den
Bergen e Fernando Marques, mas o trabalho nunca é unidirecional. Ao contrário,
como explica Carla, o material que surge em sala é experimentado, volta à
direção, retorna aos intérpretes e vai sendo construído nesse fluxo criativo
constante e compartilhado.
A artista destaca que o trabalho
corporal é muito presente no grupo (que utiliza a classificação de dança-teatro
mais por uma necessidade de comunicar aos outros sobre o que fazem) e aposta na
diferenciação e particularidade dos corpos para criar. “Não me interessa o que
uniformiza os corpos, mas sim o que os diferencia, a expressão artística de
cada um deles. Nós podemos executar o mesmo movimento no espaço sem que sejamos
iguais”, diz.
Em seu processo de criação, Carla
conta que costuma observar quais são as sensações que lhe causa o movimento do
outro e experimentar e entender em seu próprio corpo tais movimentos e
sensações propostos. Assim, vai compondo o que seria equivalente a cada
palavra, colocada antes ou depois de outra, construindo frases de movimento,
parágrafos, capítulos, até chegar à obra. “O movimento tem um sentido, que, às
vezes, não dá para explicar em palavras, mas que se constrói”, aponta.
A intenção do movimento é
primordial para a artista: “Esse desenho no espaço não me preenche se não conseguir
dizer algo com isso”. Segundo Carla, tensões, relaxamento, relação com a
gravidade e todas as outras possibilidades fazem sentido quando dizem algo,
ainda que o caminho para a construção do sentido seja de mão-dupla. “Posso
dizer ‘procurem uma qualidade de leveza’, por exemplo, mas, às vezes, posso
chegar à leveza por conta do que quero dizer. Os dois caminhos, para mim, são
interessantes”, afirma.
Carla aponta que as influências
que incidem sobre a movimentação podem se dar a partir de diversas vias, como
uma imagem ou uma palavra. Ela explica que as possibilidades são infinitas em
termos de criação, mas o que parece se repetir em seu processo criativo é
realmente “o olhar sobre o corpo do outro, o diálogo com a criação do outro, as
relações com outras formas artísticas, e o impulso que vem do meu corpo”.
Assim como aconteceu no processo
do espetáculo “Insone”, Carla diz que, ainda quando parte dela alguma
proposição de movimento para o grupo, costuma conduzir experimentações a partir
de um desejo corporal, uma intenção, que ganhará a roupagem particular de quem
executa. “É como se eu estivesse em cena e dissesse ‘gente, experimenta isso’,
e a gente vai construindo junto”.
Dança das linguagens
Conectar seu trabalho à dança ou
ao corpo não parecia ser algo óbvio para Rubiane quando iniciou suas pesquisas
em performance. A artista conta que suas experiências anteriores com dança, em
seu sentido mais formal, foram poucas e de “inadequação”. “O corpo, para mim,
sempre foi um lugar muito estranho. A performance, para mim, tinha mais a ver
com algo terapêutico, mas é inegável que ela provoca o autoconhecimento do
corpo. Também a precariedade de elementos em uma performance faz restar o
corpo”, avalia.
Em todo caso, não se preocupa
tanto com definições daquilo que faz. Dar nome, também para ela, surge mais
como uma necessidade de comunicação, até porque, na prática, seu trabalho
passeia e se deixa influenciar por diferentes linguagens, como o vídeo, a
fotografia, a literatura e o cinema: “vou buscando deixar essas coisas virem,
refinar os conceitos que me interessam, tentar buscar essas imagens internas,
de que formas elas surgem, e vou juntando essa bagagem”.
Além disso, Rubiane falou sobre o
registro e a documentação da perfomance contemporânea e em como a intervenção
de um fotógrafo e as imagens que são produzidas, por exemplo, podem comprometer
totalmente o sentido de seu trabalho. “Eu me sentia muito agredida por algumas
imagens, então, eu passei de um estágio de não saber que isso acontecia para,
de repente, conversar com quem vai fazer isso e, depois, comecei a pensar em
que imagem eu queria, e foi quando eu comecei a pensar que eu mesma podia
produzir a imagem, além da ação”, diz. A artista destaca que o uso do vídeo em
seu trabalho surge também nesse contexto contemporâneo de saturação da imagem.
“A gente tem que pensar muito em documentação, em questões éticas, e ética é
muito pouco discutida no meio artístico”, acrescenta.
Enraizar para voar: a gravidade em “Insone”

Nesse processo, a escolha de um
colchão como espaço cênico interferiu totalmente na movimentação dos
intérpretes, redirecionando a criação. “Há uma série de saltos, mas não é só um
estudo de planos, é como a gente se relaciona com a gravidade. Só entendendo o
enraizamento, eu posso entender o salto. É o entendimento de que, sem o chão, a
gente não voa”, frisa Carla, concordando com Rubiane quando ressalta o mesmo em
sua pesquisa em “Preparação para exercício aéreo”.
A arte como posicionamento político
As convidadas também falaram
sobre seus ofícios dentro do atual cenário político e como utilizam a arte para
se colocarem politicamente. “Eu acredito muito na ideia de micropolítica, de
disseminação e contágio, que começa a partir de momentos como este aqui, em que
a gente consegue compartilhar as nossas descobertas e inquietações, e que a
gente precisa fortalecer”, aponta Rubiane, que também pensa que palavras como
permanência e sobrevivência sejam importantes para quem faz arte.
Carla reforça que o trabalho do
artista é de formiguinha, que, devagar, pode ir contaminando o público, e que o
entendimento de que o outro não é igual a você, de que um corpo é diferente do
outro, de que cada pessoa é única, é um bom começo para o respeito à diferença,
tão necessário para dias melhores. “Isso já acontece com o nosso processo
interno e, se for levado para outras camadas, o resultado seria bom, mas é um
trabalho micro. Ao mesmo tempo, é importante o que a gente diz em nosso
trabalho, a fala do respeito a cada um, assim como as questões de gênero,
mulher, indígena, dos que estão à margem, entre outros temas”, diz.
Rubiane Maia fará uma mostra em vídeo
do processo atual, “Preparação para exercício aéreo”, seguida de bate-papo, no
dia 30 de maio, no Cemuni V (Ufes), em parceria com o BAILE, às 18h. Na
sequência, nos dias 31 e 1º de junho, ministrará uma oficina de performance,
das 14h às 18h. Os interessados na oficina deverão enviar para o e-mail
rubiane.art@gmail.com um currículo resumido e dizer por que têm interesse em
participar.
O Dança na Roda foi um evento
gratuito, promovido pelo Portal Dança no ES, que reuniu público e artistas
locais para compartilharem suas experiências criativas. As rodas
aconteceram no foyer do Teatro Carlos Gomes e estiveram abertas a todos
interessados pelo tema.
O Portal Dança no ES é um projeto contemplado pelo edital Setorial de Artes Cênicas/Dança 2015 da Secult ES / Funcultura.
O Portal Dança no ES é um projeto contemplado pelo edital Setorial de Artes Cênicas/Dança 2015 da Secult ES / Funcultura.
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