sexta-feira, 29 de abril de 2016

Papo Reto com Lalau Martins

Entre o palco e a rua, na origem das danças urbanas no Estado, Lalau Martins identifica seu espaço e conta sua história para o Dança no ES


Com samba correndo nas veias desde criança, seria muito difícil que o popular e o urbano estivessem distantes da carreira de Lalau Martins, artista precursora das danças urbanas no Estado e coreógrafa da Mocidade Unida da Glória (MUG). Muito jovem e dotada de nítida habilidade corporal, Lalau começou na ginástica olímpica, passou pelo basquete (em ambos os esportes, foi atleta), até chegar definitivamente à dança. Já como professora, a artista se aproximou da dança de rua, na qual decidiu se especializar. Começou a dar aulas em academias de Vitória, algo que não se via na época, uma vez que o break existia no Estado de forma restrita a manifestações espontâneas em parte da periferia. Lalau fundou o grupo Vitória Street Dance (Cia VSD) há 19 anos, o primeiro na modalidade, e levou a dança de rua para os palcos e festivais de dança conhecidos nacionalmente, ganhando grande repercussão. A fim de ampliar espaços de visibilidade na Grande Vitória, a artista criou o Festival de Street Dance, que contou com seis edições até hoje e deverá voltar – ela promete! Lalau Martins, além de trabalhar também com projetos sociais em dança, encontra tempo e espaço para outra paixão: o carnaval. Há quase dez anos na MUG, chegou a coreografar comissões de frente, carros alegóricos e o Samba Show, trabalhos sempre muito bem reconhecidos na área. Para ela, a nota é sempre 10!

Confira a entrevista!



Foto: Thayrone Hideki


DNES: Quais são suas atividades hoje na dança?


Lalau - Eu estou no Projeto Cajun há dez anos. Lá, trabalho com crianças de 6 a 15 anos, com dança de uma forma geral. Também estou em Pedro Canário, faço monitorias lá. Os alunos dançavam, mas não sabiam o que era a técnica. Eu conheci a Fabiana Alves, que coordena o projeto, quando eu fazia o Festival de Street Dance aqui em Vitória. Na ocasião, o grupo dela veio para cá para poder se apresentar e percebi um material humano muito bom na dança. Ela me convidou para ir trabalhar lá só com a turma avançada e aplicando técnicas mesmo. Aos poucos, fomos fazendo uma renovação na dança lá dentro, porque a cultura popular é muito forte lá, então, é meio difícil eles aceitarem a técnica, que é enjoada mesmo. Se você é da área de dança popular, o clássico se torna massacrante. Hoje, o nível da dança deles cresceu muito. Além disso, trabalho com a MUG como coreógrafa.


Conte um pouco sobre sua história. De onde partiu seu interesse pela dança?


A dança, de modo geral, entrou na minha vida pela ginástica olímpica. Aos nove anos, eu comecei a fazer ginástica olímpica na escola. Era uma alemã que dava aula de Educação Física e havia um núcleo muito forte. Quando saí do primário, me viram com esse potencial na aula e me chamaram. Com três meses na equipe da escola, me chamaram para começar a treinar junto com a seleção capixaba e não parei mais. Fui atleta do Estado durante muitos anos, porque, depois da ginástica olímpica, ainda fui para o basquete.

Foi na ginástica olímpica o meu primeiro contato com a dança por causa do solo, nós tínhamos que fazer aulas de clássico para a dança ficar melhor. Fui me interessando pela dança. E minha família adora música, meu pai sempre gostou. Por causa da ginástica, conheci muita gente de outros esportes. A gente fazia muita corrida de 100 metros na pista de atletismo, por causa do salto sobre a mesa (que, antes, era sobre o cavalo), para ter aquela explosão ao saltar. Um técnico de vôlei, que fazia faculdade, tinha que montar um time de basquete e, como me conhecia e via que eu tinha muita velocidade, me chamou também. Eu fui e, depois disso, fiquei no basquete, joguei até uns 35 anos.

Houve um período, quando acabei o segundo grau, que eu falei “não quero só isso, eu quero dançar”. Todo dia, quando ia para o Colégio Nacional, no Centro de Vitória, eu ouvia as músicas de dança da academia Alice Gasparini. Um dia eu subi as escadas, perguntei como era, disse que eu queria fazer aula. Fui fazer aula normal, como iniciante, aí a Alice falou “você não pode ficar nessa turma, você tem a dança muito desenvolvida”. Ela disse “em vez de você fazer só as aulas de jazz, faz todas as aulas que você quiser e eu te dou bolsa aqui, mas não pode faltar”. Assim, eu comecei a fazer clássico, jazz, contemporâneo e afro. Comecei a fazer todas as modalidades que eu podia, cheguei até a turma avançada. Aí ela perguntou se eu queria começar a dar aula. Comecei e foram 12 anos na Alice dando aula.


E o contato com a dança de rua, como se deu?


Nesse período de dar aula na academia, ela falou “por que você não dá uma viajada, vai fazer alguns cursos para conhecer mais”. Fiz curso de ginástica, de ritmos, que envolvia vários ritmos brasileiros, inclusive o street funk, fiz clássico e jazz. Fui fazer muitos cursos em Poços de Caldas (MG). À noite, aconteciam várias apresentações de dança, muito aeróbica, que estava na moda na época. Quando eu vi o Grupo de Dança de Rua do Brasil, falei: “é isso o que eu quero pra minha vida”. Eu já tinha essa coisa do black, do amor pelo Michael Jackson, mas, quando eu vi um grupo verdadeiramente no palco e não num vídeo, aquilo me encantou de uma forma... Aí eu cheguei a Vitória e falei para a Alice “quero me especializar nisso”. Ela disse “se é isso o que você quer, vamos estudar um pouco mais antes de colocar aqui na academia”.

Aqui tinha a periferia com o break, até bem forte, mas não existia aula em academia, nem palco. Guardei uma grana e fui para Santos, tinha que ir para onde estava o grupo estourado no Brasil. Fiz de break até tudo o que você pode imaginar dentro de dança de rua. Quando voltei, abrimos a turma, “bombou”, prejudicou muito a professora de jazz [risos]. Estavam começando a aparecer vídeos na televisão, não teve jeito. Depois, as coisas foram se assentando. A primeira apresentação de dança de rua em Vitória foi com a academia da Alice, no festival dela. Eu saí da academia dela e fui para Karla Ferreira, fui dando aula. Eu, praticamente, só dancei três coreografias de dança de rua, não me lembro de ter dançado mais. Sempre fui dando aula e montando coreografia. Não tinha grupo da minha faixa etária para dançar.


E, então, você montou o Vitória Street Dance com os alunos?


Montei o Vitória Street Dance (Cia VSD) com os alunos avançados, há 19 anos, e, nesse percurso, eu já estava muito envolvida com a dança e a Prefeitura começou a me chamar para dar aulas. Eu não podia porque estava com muitos lugares para dar aula, já que eu também dava jazz, clássico, afro, aula de tudo. Comecei a dar aula para duas turmas à noite em Andorinhas e foi ali que se fortificou o VSD. Já existia o grupo, mas ali que ganhou força porque havia uma base infantil do Vitória Street Dance lá, e a gente já estava em outra academia também. Então, eu fiquei com a turma infantil e com a dos jovens, mais avançados.

Chegou um período em que nós fomos para o Festival Internacional de Hip Hop, em Curitiba, os dois grupos conseguiram se classificar para o festival internacional, tanto o infantil quanto o adulto. E, até hoje, eu tenho aluno que começou lá em Andorinhas e continua comigo.


O Festival de Street Dance surgiu como?


Como eu já tinha o VSD, precisava fazê-los se desenvolverem mais, praticarem mais. Ao mesmo tempo, várias outras escolas já estavam com aulas de dança de rua também, começou a ter outros grupos dançando no bairro. Eu pensei: “está na hora de eu fazer um festival para botar esse povo para dançar”, e não tinha onde dançar a não ser em pracinha. Foi quando eu fiz o primeiro Festival de Street Dance, no Teatro Carlos Gomes, no início dos anos 2000.

Eu pensava que, se eles não tivessem um lugar de respeito para dançar, essa movimentação toda poderia acabar. Eu fiz o festival, foram seis edições de muito sucesso. Ele se expandiu, o interior vinha para dançar com a gente. Fui para Venda Nova, fiquei um tempo dando aula lá também. Depois, você já via, em todos os festivais de escolas de dança, coreografias de street dance. Foi um grande “boom”. Está na hora de voltar com o festival...

Com o meu grupo mesmo, viajei muito para São Paulo, Rio, Curitiba. O VSD ia muito para esses lugares para festivais. Aqui em Vitória, nós passamos uns cinco anos ganhando todos os festivais que havia, inclusive quando tinha modalidades diferentes de dança.

Depois de um tempo, eu retornei com um espetáculo, que também foi uma novidade (nunca tinha tido espetáculo de danças urbanas em Vitória), que foi o “Contemporaneidade em Dança de Rua”, há três anos.


Foi o que vocês fizeram pelo edital da Secult de Residência, né? Como foi esse espetáculo?


Foi ótimo. Foi um trabalho muito árduo para os meninos porque, geralmente, quando o pessoal das danças urbanas chega, principalmente o pessoal de periferia, que tem enraizado o break, eles não abrem o leque de informação (na cabeça), não percebem que, se fizerem outras modalidades, aglutinarem movimentos à dança urbana, podem melhorar o repertório deles como dançarinos. Eu falei “quero que vocês entendam a dança melhor dentro do corpo de vocês, porque, só eu falando, não está dando para entender”.

Conheci o Bruno Duarte, que veio coreografar o grupo, já sabia do trabalho dele como dançarino com o Grupo de Rua de Niterói, que mistura o hip hop, a dança de rua, com o contemporâneo. Eu o chamei, perguntei se ele queria fazer esse trabalho com os meninos – eles já o conheciam e tinham muito respeito pelo trabalho dele. Falei que queria trabalhar com dança de rua e contemporâneo, mais próximo às referências de Pina Bausch e Rudolf Laban. No início, foi muito sacrificante. A primeira rejeição deles foi tirar o tênis para dançar descalço.


Este ano, você vai estrear um novo espetáculo com seu grupo. Como será?


Este ano, é o retorno da Cia Vitória Street Dance (VSD) com o espetáculo novo. A previsão para estreia é agosto. Esse espetáculo será bem alegre. O Contemporaneidade, que foi o primeiro espetáculo, era mais intimista. Os meninos tinham vergonha de se mostrar, então, nós procuramos usar essa introspecção deles e jogar com isso. Esse não, é bem pra cima, com muita coreografia atualizada, tem um trecho com bastante afro, que é o afro house, que eles gostam de dançar. Eu acho que o afro house tem muito a ver com o Brasil, a velocidade do house associada aos movimentos do afro é algo muito bom.


Como você vê a referência que eles trazem do espetáculo anterior para esse agora? É um processo que teve continuidade ou você está partindo de outra premissa?


Antes, eles não coreografavam, tinham medo, era só o improviso. Hoje, eu falo com eles “a música é essa, o trecho é esse, eu quero a coreografia”, e eles montam sem medo. Eles sobem no palco de uma forma completamente diferente de antes, são muito profissionais. Nesse espetáculo, eu vou fazer, praticamente, direção artística e coreográfica, eles que vão criar. Quanto mais eles exercitarem a criação, não só fazerem o free style, criarem e mantiverem aquela coreografia, melhor, já que eles têm dificuldades de criar e manter a mesma coisa. Eu vou direcionando todo mundo, a gente está indo para um espetáculo, não está num improviso, tem diferença.


O que define a dança de rua e qual a relação com o break e a cultura hip hop? Em que medidas são ressaltados o estilo, a estética e seu sentido político?


Ela tem essa identidade com o break porque ele foi a primeira expressão corporal do movimento hip hop, junto com essa sonoridade, a música, que vem até hoje com a black music, o funk americano, então, tem muita referência do break sim. Principalmente quem é leigo, se vai assistir a uma coreografia de dança de rua e não vê algum elemento do break, se confunde, acha que não é dança de rua. Existe uma evolução histórica da dança até hoje. O divisor do break para as danças urbanas de hoje foram os clipes do Michael Jackson, que usava alguns passos do break, mas dançava muito mais em pé – e, no break, o pessoal usa muito o chão, não se usava tantos saltos. De lá pra cá, houve muita mudança, muita construção de movimento. Hoje, há vários estilos nas danças urbanas, como Twerk, Afro House, Dancehall, Ragga Jam, entre muitos outros.

O break fica mais enraizado com a questão política. As danças mais atuais já perdem um pouco essa identidade. Tem muitos profissionais que conservam, mas eu creio que se perde um pouco, até por causa das letras das músicas. O comércio degrada um pouco. Eu acho que a gente tem que falar de amor, de paz, de muitas outras coisas, mas é verdade que se perde sim um pouco a questão da luta, da periferia.


Como era a aceitação da dança de rua em relação aos outros tipos de dança e como isso se dá hoje? Há uma abertura à mistura de linguagens?


Eu creio que a maior resistência foi, na verdade, dos grupos de break, que existiam na periferia, ver que a dança de rua estava dentro da Praia do Canto e a gente indo para o Teatro Carlos Gomes. Muito mais isso, porque, nas escolas, muita gente estava dançando. Eu tive inúmeras bailarinas clássicas que dançaram comigo, frequentaram meu grupo. Eu não tive tanto problema, a não ser que falavam que eu não era dançarina de hip hop. E realmente eu não era. Era outro estilo que eu estava trabalhando, era dança de rua, que englobava vários aspectos do hip hop, e se dançava em pé.

Sobre a mistura com outras linguagens, eu acho que o espetáculo “Contemporaneidade em Dança de Rua” abriu muito esse leque. No ensaio aberto, teve debate. O menino que está no grupo de danças urbanas (UDES), Ronaldinho, esteve lá, debatemos, e outros meninos também. Depois disso, eu realmente percebi muitos ampliando a visão, pensando no que poderiam fazer com aquilo ali.


E com o carnaval, como você começou a trabalhar?


Através do esporte, eu conheci várias pessoas das comunidades que são envolvidas com escolas de samba. Eu já estava na dança e, através do basquete, me chamaram para coreografar a comissão de frente da Pega no Samba. Eu amo samba, sempre gostei, é de criação. Minha família sempre foi muito envolvida com samba, é raiz mesmo.

De vez em quando, uma escola ou outra me convidava para coreografar. Conheci o Magno Encarnação, que, quando foi para MUG, falou “Lalau estou com um problema, preciso de gente para ficar na frente da ala para segurar a coreografia, e eu não vou poder porque já vou sair na comissão de frente”. Aí fomos eu e Gislene segurar a peteca dessa ala na frente, que tinha 60 pessoas. Fomos ensaiando. Nesse meio tempo, uma ala comercial da escola não foi vendida, com fantasia pronta e tudo. Acabei pegando essa ala e, em dez dias, a gente montou a coreografia. Desde então, eu não saí mais da MUG. Faz quase dez anos que estou lá.

Depois, no outro ano, fiz ala das baianinhas e, no ano seguinte, fui para a comissão de frente. Na época, foi ótimo, levamos quatro notas dez. No meu quarto ano de escola, fui coreografar carro na MUG, e coreografo até hoje; a comissão de frente está com a Mônica Queiroz. Também comecei com o Samba Show, que é um grupo de samba para espetáculo. Não é de passistas, já que o passista não tem, por obrigatoriedade, uma coreografia. No Samba Show, o grupo dança todas as linhas do samba, inclusive aquela de samba afro do Recôncavo Baiano, misturadas com essa coisa do glamour do cabaré, do teatro de revista. Este ano, estou com muitas atividades e tive de abrir mão de fazer o MUG Samba Show.


Como é seu processo de coreografar no carnaval?


Já existe um enredo e, dentro dele, vou pesquisando e buscando movimentos. Uma vez, o tema foi cerveja na comissão de frente. Eu disse “meu Deus do céu, o que eu vou fazer com cerveja?”. A gente tem que “viajar”. O ponto de partida foi que tinha que ter relação com dança árabe porque o bulbo da cerveja vem de lá, do oriente médio. Por outro lado, eu não poderia fazer uma dança árabe, simplesmente. Ainda por cima, a gente tinha um elemento cênico que era o sol. O sol estava escrito no enredo. O número de vezes que eu coloquei o copo na minha frente para virar a cerveja e ver o movimento que fazia… Para transportar aquilo ali para os braços e para o corpo do pessoal. Aquele foi um desafio bom. Acho que ensaiamos uns três, quatro meses porque muita gente tinha técnica de dança, outros não. Quem não tinha técnica de dança, para mim, não era tanto problema. O problema era quem tinha. Porque o movimento que tinham de fazer era muito mais cru, tivemos que desconstruir o que existia. Este ano, também não foi tão simples fazer carro porque o Samba Show dançou em cima dele, teve muita pegada, muito passo aéreo em cima do carro, senão não apareceria com destaque.







2 comentários:

  1. parabéns lalau pela sua tragetória.

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  2. LALAU VC É UM ESPETÁCULO PARABÉNS POR SER ESTE SER HUMANO MARAVILHOSO E TER UM TALENTO EXTRAORDINÁRIO QUE DIZ MUITO DE VC LEVEZA E DETERMINAÇÃO .

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