sábado, 16 de abril de 2016

1º Dança na Roda

Criações de Patrícia Miranda e Gil Mendes são foco da primeira roda de bate-papo





Na tarde do último dia 9, sábado, aconteceu o primeiro Dança na Roda, no foyer do Theatro Carlos Gomes, com a presença da coreógrafa do Balé da Ilha Cia de Dança, Patrícia Miranda, e do diretor e coreógrafo da Cia In Pares, Gil Mendes. Os artistas convidados falaram sobre sua trajetória na dança e seus processos de criação junto aos grupos, e o público interagiu com perguntas e comentários. A próxima Roda acontecerá no dia 23 de abril, sábado que vem, com a participação da coreógrafa e diretora da Cia NegraÔ, Giovana Gonzaga, e a precursora e divulgadora da cultura Hip Hop e do Flash Mob no Estado, Yuriê Perazzini.

No primeiro encontro, os artistas ressaltaram a importância de haver mais espaços de diálogo na dança. “São poucos os lugares que a gente tem para falar sobre o que a gente faz e poder conhecer também melhor o trabalho do outro e compartilhar conhecimentos”, pontuou Patrícia. “Esse é um espaço que agrega e a gente precisa disso, de espaços de encontros”, destacou Gil.

A bailarina Patrícia Miranda contou sobre sua formação em dança, que teve início muito cedo, aos oito anos. Filha de professora de jazz, Patrícia estudou com diversos profissionais ao longo de sua carreira, passando por Elias dos Santos, Renato Vieira, Cia Mítzi Marzzuti e diversos coreógrafos reconhecidos nacionalmente; foi estudar em uma escola na Alemanha e em outros espaços, sempre procurando absorver o que os novos contatos tinham a oferecer. Com a Duo Cia de Dança, começou a coreografar profissionalmente.

Ao transferir seu trabalho de bailarina para o de coreógrafa, Patrícia não experimentou nenhum descontentamento: “Ver o meu trabalho em cena me realiza demais!”.

Gil Mendes, ao contrário de muitos profissionais da dança, começou um pouco tarde, “com vinte e poucos anos”, lembra. Durante intenso período de formação em dança na Bahia, Gil agregou estudos e experiências fundamentais para sua carreira, percorrendo diversas vertentes, a exemplo da técnica de Martha Graham e das danças Afro, Moderna e Contemporânea, sempre em contato com importantes grupos e profissionais da área.

Além disso, descobriu, ao longo do tempo, que preferia ser coreógrafo a dançarino, sendo que seu primeiro trabalho na criação de coreografia foi para uma peça de teatro. “A criação sempre fez parte da minha trajetória, mesmo dançando para outras pessoas. Para mim, o bailarino sempre era um sujeito que participava do processo de criação e isso formou o meu modo trabalhar”, frisa Gil.

De volta a Vitória, Gil Mendes integrou o grupo NegraÔ, que seguia a linha de pesquisa do Afro tradicional. Já contaminado pela dança contemporânea, o artista buscava propostas de trabalho que partiam dessa mistura, também apostando em intérpretes capazes de dançar, cantar e batucar. Em 2008, fundou a Cia In Pares, cujo primeiro trabalho foi Inumeráveis Estados do Ser.

“Me viciei pelo bastidor. Sou um apaixonado pelo fora de cena. Eu gosto muito mais do processo, ele é maravilhoso e não acaba nunca, até porque um dia não é igual ao outro”, revela o coreógrafo.


Para criar o espetáculo: caminhos e visões


Como coreógrafa, Patrícia diz que é bastante intuitiva, que gosta de deixar o acaso acontecer e de abrir espaço para que o intérprete também participe da criação. Até mesmo o que parece ser um erro, alimenta o trabalho da artista. “Isso te tira da zona de conforto dentro do processo de criação, faz ficar vivo, gera uma nova ideia”, pontua.

Para Patrícia, criação é como uma maestria, um trabalho de ajudar a organizar. Ao criar, a coreógrafa acredita que a estética precisa, necessariamente, estar conectada ao que se quer dizer, assim como a técnica utilizada precisa ser clara. “A técnica liberta. Quando você tem a apropriação daquilo que faz, independentemente da linguagem, a técnica te liberta, te dá ferramentas para ir por outros caminhos”, acrescenta.

Gil concorda que, no trabalho do coreógrafo, há um sentido político. “Acho que coreografar não é só juntar passos, seguir uma música. É algo a ser dito”, reforça. Uma das formas que exercita o sentido político do ofício é, por exemplo, trabalhando com pessoas com padrões de corpos diferentes e com pensamentos divergentes. “Acho a diferença algo rico e cria outras possibilidades de construção, outros parâmetros. A dança tem de ser um espaço de inclusão, e, às vezes, ela exclui, seleciona corpos. Eu acho legal um baixinho dançar com um alto, alguém do hip hop com uma pessoa do ballet. A dança tem que ser política no sentido de abrir espaços, de permitir, ainda que preserve raízes, tem que quebrar barreiras”, aponta Gil.
Em sua forma de conduzir o processo de criação, é essencial estabelecer o espaço onde acontecerá a história. “Em Banzo, por exemplo, eu já sabia que seria em uma estação, partindo de um conto de Guimarães Rosa”, conta. O coreógrafo destaca, ainda, que costuma começar a coreografar pelo final e, só depois, encontrar o início. Ao mesmo tempo, não acredita em fórmulas e métodos, prefere desenvolver estratégias de coreografar conforme cada projeto e considera muito importante o acaso, assim como a experiência do próprio bailarino.

“A gente trabalha com movimento, gesto, linguagem, e acho que a linguagem não se esgota. Posso falar algo de milhares de formas. Dançar é produzir conhecimento”, diz Gil.


Criações e pesquisas


Os artistas convidados falaram também sobre alguns espetáculos de suas carreiras. Entre outras obras, Patrícia contou sobre a montagem de Teoria Geral da Fossa, para qual foi convidada por Karla Ferreira, e Gil falou sobre aspectos da construção de Inumeráveis Estados do Ser, Banzo e Inabitáveis.

Em Teoria Geral da Fossa, Patrícia coreografou bailarinos que não conhecia e apostou na criação colaborativa. A artista, que assina a direção coreográfica do espetáculo, conta que utilizou textos de Carmélia – sobre quem a obra fala – e o resultado da participação de pessoas convidadas a falarem sobre aquela época nos encontros com o grupo.

“Carmélia era uma figura marcante. Mas, quando líamos o que ela escreveu, só víamos amor, poesia, seu lado feminino, um espetáculo cor-de-rosa. Fomos tomados pelo afeto. Pensávamos: ‘como pode uma pessoa tão transgressora escrever com tanta delicadeza?’”, revela Patrícia. Dessa forma, o grupo escolheu falar da solidão, da adolescência que a personagem não viveu, do que não era percebido, a partir da vivência corporal dos próprios bailarinos.

“Minha relação com o bailarino é de ‘você pode, está em você’. Meu olhar é do todo, da sensação que aquilo está causando. Essa relação tem que ser construída, do público, do intérprete, de provocar um olhar novo sobre aquilo. Nem sempre as pessoas irão gostar; às vezes, ficarão perturbadas, e aí já se cumpriu sua função. A criação é compartilhada”, afirma a coreógrafa.




A loucura em processos


Em Inumeráveis Estados do Ser, Gil lembra que o grupo, inicialmente, imaginou abordar o tema da loucura de determinada forma, mas a construção do espetáculo tomou outro rumo. “Não queríamos falar do louco, do hospício, queríamos falar da coisa criativa da loucura. Não conseguimos. O processo criativo nos deu uma rasteira”, conta.

Na ocasião, os bailarinos visitaram o hospital psiquiátrico Adauto Botelho e, conforme explica o coreógrafo, voltaram transformadas devido ao que vivenciaram lá dentro. A partir daí, vieram as respostas em um curto prazo, possibilitando a finalização do trabalho.

A loucura também aparece em Banzo, além da saudade. “Nesse processo, encontramos o ‘psiu’, de alguém que está perdido ou ouve vozes. Ao mesmo tempo, buscamos de onde vem o movimento. É pensar no jogo que isso propõe, e não naquilo que já tenho codificado. Como posso falar - com o movimento - de formiga, de poça d’água?”, exemplifica Gil.


Provocar é preciso


Já a proposta do espetáculo Inabitáveis, surgiu de um daqueles momentos de pausa para relaxar e descontrair: “Que tal a gente fazer um trabalho sobre a relação homoafetiva?”. Depois de certa resistência, a aceitação do desafio. “O espetáculo surgiu muito das conversas dos intervalos dos ensaios, dos causos, dos papos de bares com amigos e de um artigo que li – e dele vem o título – que falava do conceito dos inabitáveis para pessoas que tinham encontros fortuitos, às escondidas, como em saunas e espaços de não visibilidade”, explica.

Para a montagem da coreografia, Gil sublinha a repetição, que acontece quase como algo rotineiro, do buscar, do ir e voltar, ao mesmo tempo que pontua uma estratégia coreográfica, a fim de reforçar e mostrar sob outros ângulos aquilo que se quer dizer. Fala-se de uma prática que se repete.




O Dança na Roda é um evento gratuito, promovido pelo Portal Dança no ES, que pretende reunir público e artistas locais para compartilharem suas experiências criativas. As rodas acontecem no foyer do Theatro Carlos Gomes, das 15h às 18h, e é aberta a todos interessados pelo tema. Até a próxima!







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