Criações de Patrícia Miranda e Gil Mendes são foco da primeira roda de bate-papo
Na tarde do último dia 9, sábado, aconteceu o primeiro Dança
na Roda, no foyer do Theatro Carlos Gomes, com a presença da coreógrafa do Balé
da Ilha Cia de Dança, Patrícia Miranda, e do diretor e coreógrafo da Cia In
Pares, Gil Mendes. Os artistas convidados falaram sobre sua trajetória na dança
e seus processos de criação junto aos grupos, e o público interagiu com
perguntas e comentários. A próxima Roda acontecerá no dia 23 de abril, sábado
que vem, com a participação da coreógrafa e diretora da Cia NegraÔ, Giovana
Gonzaga, e a precursora e divulgadora da cultura Hip Hop e do Flash Mob no
Estado, Yuriê Perazzini.
No primeiro encontro, os artistas ressaltaram a importância
de haver mais espaços de diálogo na dança. “São poucos os lugares que a gente
tem para falar sobre o que a gente faz e poder conhecer também melhor o
trabalho do outro e compartilhar conhecimentos”, pontuou Patrícia. “Esse é um
espaço que agrega e a gente precisa disso, de espaços de encontros”, destacou
Gil.
A bailarina Patrícia Miranda contou sobre sua formação em
dança, que teve início muito cedo, aos oito anos. Filha de professora de jazz,
Patrícia estudou com diversos profissionais ao longo de sua carreira, passando
por Elias dos Santos, Renato Vieira, Cia Mítzi Marzzuti e diversos coreógrafos
reconhecidos nacionalmente; foi estudar em uma escola na Alemanha e em outros
espaços, sempre procurando absorver o que os novos contatos tinham a oferecer. Com
a Duo Cia de Dança, começou a coreografar profissionalmente.
Ao transferir seu trabalho de bailarina para o de
coreógrafa, Patrícia não experimentou nenhum descontentamento: “Ver o meu
trabalho em cena me realiza demais!”.
Gil Mendes, ao contrário de muitos profissionais da dança,
começou um pouco tarde, “com vinte e poucos anos”, lembra. Durante intenso
período de formação em dança na Bahia, Gil agregou estudos e experiências
fundamentais para sua carreira, percorrendo diversas vertentes, a exemplo da
técnica de Martha Graham e das danças Afro, Moderna e Contemporânea, sempre em contato com importantes grupos e
profissionais da área.
Além disso, descobriu, ao longo do tempo, que preferia ser
coreógrafo a dançarino, sendo que seu primeiro trabalho na criação de
coreografia foi para uma peça de teatro. “A criação sempre fez parte da minha
trajetória, mesmo dançando para outras pessoas. Para mim, o bailarino sempre era um
sujeito que participava do processo de criação e isso formou o meu modo
trabalhar”, frisa Gil.
De volta a Vitória, Gil Mendes integrou o grupo NegraÔ, que
seguia a linha de pesquisa do Afro tradicional. Já contaminado pela dança
contemporânea, o artista buscava propostas de trabalho que partiam dessa
mistura, também apostando em intérpretes capazes de dançar, cantar e batucar.
Em 2008, fundou a Cia In Pares, cujo primeiro trabalho foi Inumeráveis Estados do Ser.
“Me viciei pelo bastidor. Sou um apaixonado pelo fora de
cena. Eu gosto muito mais do processo, ele é maravilhoso e não acaba nunca, até
porque um dia não é igual ao outro”, revela o coreógrafo.
Para criar o espetáculo: caminhos e visões
Como coreógrafa, Patrícia diz que é bastante intuitiva, que
gosta de deixar o acaso acontecer e de abrir espaço para que o intérprete
também participe da criação. Até mesmo o que parece ser um erro, alimenta o
trabalho da artista. “Isso te tira da zona de conforto dentro do processo de
criação, faz ficar vivo, gera uma nova ideia”, pontua.
Para Patrícia, criação é como uma maestria, um trabalho de
ajudar a organizar. Ao criar, a coreógrafa acredita que a estética precisa, necessariamente,
estar conectada ao que se quer dizer, assim como a técnica utilizada precisa
ser clara. “A técnica liberta. Quando você tem a apropriação daquilo que faz,
independentemente da linguagem, a técnica te liberta, te dá ferramentas para ir
por outros caminhos”, acrescenta.
Gil concorda que, no trabalho do coreógrafo, há um sentido
político. “Acho que coreografar não é só juntar passos, seguir uma música. É
algo a ser dito”, reforça. Uma das formas que exercita o sentido político do ofício
é, por exemplo, trabalhando com pessoas com padrões de corpos diferentes e com pensamentos
divergentes. “Acho a diferença algo rico e cria outras possibilidades de
construção, outros parâmetros. A dança tem de ser um espaço de inclusão, e, às
vezes, ela exclui, seleciona corpos. Eu acho legal um baixinho dançar com um
alto, alguém do hip hop com uma pessoa do ballet. A dança tem que ser
política no sentido de abrir espaços, de permitir, ainda que preserve raízes,
tem que quebrar barreiras”, aponta Gil.
“A gente trabalha com movimento, gesto, linguagem, e acho
que a linguagem não se esgota. Posso falar algo de milhares de formas. Dançar é
produzir conhecimento”, diz Gil.
Criações e pesquisas
Os artistas convidados falaram também sobre alguns
espetáculos de suas carreiras. Entre outras obras, Patrícia contou sobre a
montagem de Teoria Geral da Fossa, para
qual foi convidada por Karla Ferreira, e Gil falou sobre aspectos da construção
de Inumeráveis Estados do Ser, Banzo e Inabitáveis.
Em Teoria Geral da
Fossa, Patrícia coreografou bailarinos que não conhecia e apostou na
criação colaborativa. A artista, que assina a direção coreográfica do
espetáculo, conta que utilizou textos de Carmélia – sobre quem a obra fala – e o resultado da participação de pessoas convidadas a falarem sobre aquela época nos
encontros com o grupo.
“Carmélia era uma figura marcante. Mas, quando líamos o que
ela escreveu, só víamos amor, poesia, seu lado feminino, um espetáculo
cor-de-rosa. Fomos tomados pelo afeto. Pensávamos: ‘como pode uma pessoa tão
transgressora escrever com tanta delicadeza?’”, revela Patrícia. Dessa forma, o
grupo escolheu falar da solidão, da adolescência que a personagem não viveu, do
que não era percebido, a partir da vivência corporal dos próprios bailarinos.
“Minha relação com o bailarino é de ‘você pode, está em
você’. Meu olhar é do todo, da sensação que aquilo está causando. Essa relação
tem que ser construída, do público, do intérprete, de provocar um olhar novo
sobre aquilo. Nem sempre as pessoas irão gostar; às vezes, ficarão perturbadas,
e aí já se cumpriu sua função. A criação é compartilhada”, afirma a coreógrafa.
A loucura em processos
Em Inumeráveis Estados
do Ser, Gil lembra que o grupo, inicialmente, imaginou abordar o tema da
loucura de determinada forma, mas a construção do espetáculo tomou outro rumo.
“Não queríamos falar do louco, do hospício, queríamos falar da coisa criativa
da loucura. Não conseguimos. O processo criativo nos deu uma rasteira”, conta.
Na ocasião, os bailarinos visitaram o hospital psiquiátrico
Adauto Botelho e, conforme explica o coreógrafo, voltaram transformadas devido
ao que vivenciaram lá dentro. A partir daí, vieram as respostas em um curto
prazo, possibilitando a finalização do trabalho.
A loucura também aparece em Banzo, além da saudade. “Nesse processo, encontramos o ‘psiu’, de alguém que está perdido ou ouve vozes. Ao mesmo tempo, buscamos de onde vem o movimento. É pensar no jogo que isso propõe, e não naquilo que já tenho codificado. Como posso falar - com o movimento - de formiga, de poça d’água?”, exemplifica Gil.
Provocar é preciso
Já a proposta do espetáculo Inabitáveis, surgiu de um daqueles momentos de pausa para relaxar e
descontrair: “Que tal a gente fazer um trabalho sobre a relação homoafetiva?”.
Depois de certa resistência, a aceitação do desafio. “O espetáculo surgiu muito
das conversas dos intervalos dos ensaios, dos causos, dos papos de bares com amigos
e de um artigo que li – e dele vem o título – que falava do conceito dos inabitáveis
para pessoas que tinham encontros fortuitos, às escondidas, como em saunas e
espaços de não visibilidade”, explica.
Para a montagem da coreografia, Gil sublinha a repetição,
que acontece quase como algo rotineiro, do buscar, do ir e voltar, ao mesmo tempo que pontua uma estratégia coreográfica, a fim de reforçar e mostrar sob
outros ângulos aquilo que se quer dizer. Fala-se de uma prática que se repete.
O Dança na Roda é um evento gratuito, promovido pelo Portal
Dança no ES, que pretende reunir público e artistas locais
para compartilharem suas experiências criativas. As rodas acontecem
no foyer do Theatro Carlos Gomes, das 15h às 18h, e é aberta a todos
interessados pelo tema. Até a próxima!
Nenhum comentário:
Postar um comentário