terça-feira, 28 de setembro de 2021

RENATO SANTOS E A CONSTRUÇÃO DE UM LEGADO DENTRO DA DANÇA AFRO-BRASILEIRA CÊNICA

 

Um dos nomes mais importantes das artes Afro-Brasileiras Cênicas do Espírito Santo, Renato Santos tem no seu entorno, entre família e comunidade onde nasceu e cresceu, suas primeiras referências de arte e de identidade. Nos anos 80, formou-se em ballet clássico pela Royal Ballet e estudou a Dança Afro-Brasileira Cênica do Método de Mercedes Baptista no Studio de Ballet Lenira Borges, além de ingressar no curso de Educação Física da UFES. Como artista, pesquisador e professor, Renato abriu caminhos à época não trilhados no estado – árduos especialmente devido a uma sociedade racista em sua estrutura –, o que resultou em significativo legado para a dança capixaba. Ao lado de parceiros, atuou pela profissionalização da categoria Dança Afro-Brasileira Cênica; é um dos fundadores do grupo NegraÔ; foi coordenador do curso de Dança da Escola Fafi e responsável pela elaboração do Curso de Qualificação em “Dança Afro-Brasileira Cênica”, Método Mercedes Baptista, do Museu Capixaba do Negro – MUCANE (para onde doou sua produção escrita sobre esta arte acadêmica). Atualmente, Renato é coordenador da ação multidimensional de avivamento da História da Diáspora Africana no Centro Histórico e do Morro Fonte Grande/Piedade, no Centro de Vitória. Confira a seguir a entrevista concedida pelo artista ao Portal Dança no ES  


Fotos: Luiz Carlos Cardoso

 

P: Como se deu a entrada da dança na sua história?

 

Eu sou de uma família muito tradicional da cultura e da arte no Espírito Santo, que fundou a escola de samba Unidos da Piedade, que mantém a Folia de Reis do bairro, banda de Congo... e minha tia era uma famosa radialista do Espírito Santo, a Maria José, então os artistas que vinham do Rio de Janeiro e até de fora do país, ela que entrevistava, trazia aqui para casa. Eu acabei conhecendo muitos artistas importantes de várias áreas, então meu contato com a arte é desde criança. E com meu avô, ele ensinou uma arte marcial para mim e meu irmão, que é o Bassula, ou jogo de pernada, um jogo angolano. E também foi onde começou a capoeira. A escola de samba, em 1971, saiu com o tema Baía de Todos os Santos; então eles trouxeram aqui, nessa época, uma pessoa da Bahia para ensinar a capoeira e também trouxeram pessoas do terreiro de candomblé para ensinar as danças dos Orixás, é aí que eu tenho contato com isso. Então eu já vinha com esse convívio e esse conhecimento que minha família tinha de artista; e ganhei uma bolsa na escola da Lenira Borges, nos anos 70, eu era um adolescente.

 

P: Como foi sua passagem pela escola da Lenira Borges?

 

Foi uma passagem longa, me formei. E ali ela trazia muitos coreógrafos de fora, e ela criou uma amizade muito grande com a Mercedes Baptista, eram amigas mesmo, de trocar figurinhas. E a dona Lenira a chamou para fazer uma coreografia, e ela disse “não vou fazer uma coreografia, vou introduzir esse estilo de dança na sua academia”. E ela foi, começou a dar aula pessoalmente, e depois deixou o Raimundo Netto, que continuou dando aula na Lenira uma boa parte dos anos 80 e depois foi para a Alemanha. E foi ali que a gente absorveu a técnica, o método Mercedes Baptista de Dança Afro-Brasileira Cênica, uma dança acadêmica. Porque o pessoal confunde muito quando a gente fala de dança afro, pensa que é uma dança não acadêmica, mas é uma dança acadêmica, que tem as suas posições, posturas e movimentos, que são os elementos de uma dança cênica.

 

P: Como a Dança Afro-Brasileira Cênica se estrutura?

 

Dentro do universo da dança Afro-Brasileira Cênica, existe a dança clássica, que é baseada nas danças dos Orixás, e, basicamente, quem é detentora dessa escola clássica é Mercedes Baptista, além de Joãozinho da Gomeia, e, como mentor intelectual, Abdias do Nascimento – essa é a tríade da dança clássica Afro-Brasileira Cênica. É uma dança cênica, de palco. Tem a parte da dança moderna, que aí já tem influência do Jazz, e tem também a parte da dança afro-brasileira contemporânea (um dos grandes dessa escola é Ismael Ivo). Então a dança Afro-Brasileira Cênica tem todas as suas camadas históricas: dança clássica, moderna e contemporânea. É igual à dança ocidental. Não é um apêndice da dança clássica, nem da dança moderna, nem da dança contemporânea, ela é uma nova estrutura, e essa nova estrutura tem o seu conteúdo clássico, moderno e contemporâneo.

Então tivemos contato com Mercedes Baptista em 70 e 80, Lennie Dale em 80 e 90, e, nos anos 80, começando o surgimento da dança contemporânea em São Paulo – aí a gente começa a ter um contato rápido, porque logo depois o Ismael Ivo foi para fora. Mas eu consegui ter contato com todas essas camadas. Por isso é que eu falo: é uma dança cênica, de palco e tem essa estrutura; porque o que eu vejo as pessoas escrevendo e falando... não captam isso, e muito por racismo estrutural, por pensar que por ser uma dança africana, afrodescendente, não tem a capacidade de ter todas as camadas de uma dança cênica, então começa-se a discutir... “é uma dança folclórica, popular, tradicional...”. É baseado na dança folclórica, na dança popular, na dança tradicional, na dança religiosa, assim como o clássico é. Quebra-nozes é um tema folclórico russo. As fadas, os gnomos que existem na dança clássica são do folclore europeu, da Europa Caucasiana. E é uma dança religiosa, porque os elfos são seres da religião europeia não cristã. Então se vive isso com uma facilidade enorme na dança europeia clássica, e quando chega na nossa dança cênica, começam a falar que é macumba, é feitiçaria, poxa, mas não usam as mesmas coisas? Por que não chamam as fadas, os gnomos da dança clássica de macumbaria, feitiçaria?

Essa é uma maneira de ver o preconceito estrutural, que não declara que está fazendo racismo, mas usa toda a estrutura do conceito já existente para fazer racismo, para a opressão contra a dança cênica afrodescendente. E dentro da dança cênica afrodescendente tem as danças africanas nacionais, que é Dança de Angola, Dança de Nigéria, Dança do Congo, mas dança Afro-Brasileira Cênica é um guarda-chuva cênico que abriu a porta para todas essas manifestações cênicas de palco que hoje existem.

 

P: Como você chegou a fundar o NegraÔ, qual era o contexto?

 

Quando eu entro na Ufes, eu levo todo esse conhecimento para lá. A dança afro, os conhecimentos das tradições dos povos Bantus do Morro da Fonte Grande, eu levo tudo lá para dentro, eu não me divido, eu sempre fui inteiro, não sou daquelas pessoas que... “quando você se descobriu negro? Quando você se descobriu afrodescendente?”. “Desde sempre!” Eu entrei na Ufes sabendo quem eu sou e sabendo o que eu tenho; e, entrando lá, eu impus isso. E lá encontrei parceiros, que foram o professor de História Cleber Maciel, Verônica da Pas, Ariane Meireles, Lavínia, Sueli Carvalho, Sueli Bispo, entre outros, esses são os mais próximos. Como eu já tinha formação de clássico, já tinha a formação de dança afro cênica, a gente começou a divulgar isso dentro da Ufes, e criamos um grupo de estudos (nos anos 80). Tivemos como mentor o Cleber Maciel; tivemos o professor Paulo Roberto também nos conduzindo, mostrando autores. Por isso que eu falo que é uma dança acadêmica, porque há um estudo acadêmico extremamente aprofundado, e hoje eu estou compilando isso, tenho várias coisas já escritas. Eu vi que há uma carência. Depois de tanta gente ter feito, ainda há pessoas com dúvidas do que é – e se é. No mínimo, por falta de conhecimento.

Montamos o NegraÔ para fazer a reafirmação de que é uma dança cênica, de que é uma dança de palco. A primeira coreografia profissional foi em 1991. Então a gente considera o primeiro momento da dança Afro-Brasileira Cênica capixaba com a primeira coreografia do NegraÔ, que faz 30 anos agora. E este ano é muito simbólico, porque faz 70 anos que Mercedes Baptista retorna dos Estados Unidos, ela foi para lá através da bolsa que ganhou, e lá ela tem contato com o movimento black (preto) nos Estados Unidos.

 

P: Os debates e as rodas de conversa sempre estiveram presentes no NegraÔ e nos aulões, né? Você também já foi coordenador do curso de Dança da Fafi e responsável pela criação do curso de Qualificação em Dança Afro-Brasileira Cênica no Mucane. Qual é seu olhar sobre a educação e o ensino da dança afro?

 

É uma arte acadêmica, que faz parte de uma formação corpóreo-motora, cognitivo-sociocultural, que é a dança, em um país essencialmente africano, e que estava fora de todo um contexto pedagógico e didático. O que nós começamos a fazer, como somos professores, começamos a transformar, a criar um espaço didático para essa arte acadêmica, porque até então não existia um espaço didático para isso. A gente começou a escrever sobre a técnica, e essa técnica das artes cênicas tem todos os seus métodos, nomes, porquês, como e onde. Começamos a escrever sobre isso e a repassar esse saber na posição e do tamanho que ele é.

O NegraÔ surgiu para confirmar isso, e eu posso dizer que é um dos primeiros movimentos no mundo, porque todos os outros grupos de dança cênica afro-brasileira começaram a se autodenominar como dança folclórica. Nós fomos um dos primeiros, senão o primeiro, a assumir a dança Afro-Brasileira Cênica enquanto arte acadêmica, que contém seus saberes e suas camadas.

Chegando à Fafi, seu método-base tinha se deteriorado, porque, com saída do mestre cubano de lá, o método cubano tinha perdido sua essência na escola. E nesse período em que fiquei lá (de 2009 a 2013), eu recuperei a técnica cubana, que é da Alicia Alonso. Nesse momento, já que eu estava recuperando o método da Alicia Alonso, pensei “o método da Mercedes Baptista está esquecido aqui também”, então fui e o recuperei conjuntamente, usando o mesmo tempo, espaço e as facilidades que um cargo de coordenador do tamanho de uma escola como a Fafi oferece, e montei o curso de Qualificação em Dança Afro-Brasileira Cênica.

Eu sou formado no método Royal, por que não introduzir este método no lugar do cubano? Porque, na sua raiz, a Fafi foi instituída com o método cubano, então o respeito que temos que ter pelas raízes das escolas é algo importante no mundo da dança. Como passou a ser uma escola técnica, não podia ter só o método clássico, teria que ter o método moderno e contemporâneo, então também ajudei a escrever isso para a Fafi. E aproveitando, como eu já estava escrevendo, escrevi o método da Mercedes Baptista para o Mucane, em 2013. Mas, no Mucane, os professores estavam tendo dificuldade de passá-lo, porque eles não o conheciam muito bem, que consiste em posturas, movimentos e direções. Fui e escrevi o método.


P: Sobre a sua trajetória como bailarino, gostaria que falasse um pouco sobre seu contato com a dança-teatro e o espetáculo “A Flor da Pele”, um dos mais recentes antes da pandemia.

 

Nesse caminho, existe uma outra escola em que aprendi muito, que é a escola da dança-teatro. Houve um festival patrocinado por uma marca de cigarro e, naquela época, veio a Pina Baush e escolheu algumas pessoas para ficar uma semana ou duas com ela e a companhia dela no Brasil, e ela fez uma apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro depois. Ela veio, deu palestra, aulas para esse grupo que ela escolheu, e uma dessas pessoas fui eu. Foi aí que tive contato com essa técnica.

Toda a técnica do gestual era feita para ter uma intencionalidade de fala, de ser uma fala, de ser um sentimento. Ali foi uma coisa libertadora. No afro a gente tem isso, mas eu também venho de uma escola clássica que não tem muito isso, aí eu consegui usar aquela técnica do clássico com todo o potencial que eu conseguia fazer no afro, através do que Pina Baush provocou na gente. Ela dizia “seu salto é lindo, sua pirueta é linda, mas todo mundo que é formado em ballet faz. O que é isso para você?”. É a técnica para além da técnica. Achei meio duro na época, pensava “levei tantos anos para adquirir isso...”. Mas foi fazendo total sentido, virou a chave. A dança afro já tem isso na sua essência, porque vem de uma dança sagrada. Ismael Ivo, por exemplo, conseguiu fazer essa junção, e eu comecei a entendê-lo melhor depois disso também.

Foi aí que comecei a fazer essa ligação da dança clássica com a dança afro e com essa potência teatral. E criei essa minha última coreografia, “A Flor da Pele”, que prenuncia o que iria acontecer, a pandemia, a solidão, a angústia. Eu dancei umas três ou quatro vezes, e pensei “ah, não posso dançar mais essa coreografia”. “A Flor da Pele” eu não quero dançar mais. Dói muito. Tem danças que doem. Você termina de dançar, ela te dói no sentimento, é uma angústia, e angústia dói no corpo. Este é um espetáculo de dança-teatro – eu gosto de sinalizar qual técnica é abordada porque danço várias técnicas. Quem me conhece da dança afro, por exemplo, vai esperando um espetáculo de dança afro. Eu danço também as danças urbanas, sou um dos primeiros a dançar danças urbanas no estado.

 

P: Considerando desde quando você inicia todo esse movimento da dança Afro-Brasileira Cênica aqui, e ele vai ganhando também as escolas, como você avalia o cenário da dança no estado? De lá para cá, o que se tem feito a partir disso?

 

Uma parte da minha família é do Rio de Janeiro, então eu ia passar as férias de verão no Rio. Tive contato com as escolas de classe média de lá, Lennie Dale, técnicas de dança. Eu consegui ter essa formação. Hoje há uma grande diferença, porque nós estamos aqui no estado e temos essa formação, então a gente consegue passar para mais pessoas. Na minha época, você contava nos dedos: éramos eu, Ariane, Walter e Ciça, que nos juntamos e criamos o NegraÔ.

Hoje formamos muitas pessoas, e há muitas pessoas lá na Ufes que podem fazer isso. Agora, por que não fazem é uma outra história. Mas hoje há essa possibilidade. A Ariane está aqui, eu estou aqui, Walter está aqui, Ana Cecília está aqui; nós não saímos daqui. A grande diferença é que hoje há uma matriz de conhecimento, o que na época não se tinha. Isso se deve muito a uma obstinação da Lenira Borges em trazer todas essas técnicas para o Espírito Santo. Hoje existe essa matriz aqui, ninguém precisa se deslocar para o Rio ou para São Paulo, como a gente fez na nossa época.

O que é necessário hoje? É necessário que os legados sejam reafirmados, porque o movimento da arte acadêmica da Dança Afro-Brasileira Cênica e as suas ramificações clássica, moderna e contemporânea ganharam corpo e estudos acadêmicos dentro da Ufes. Não éramos muitos; hoje somos muitos. O que eu provoco em relação à juventude que está lá hoje e tem acesso a essas informações é que eles, jovens, assumam esse legado. Quem está dentro da Ufes, assuma esse legado dentro da universidade, porque é uma dança acadêmica; que assuma esse legado não como uma dança folclórica, popular ou tradicional, porque não é.

 

P: É essencial que haja o cuidado e a responsabilidade de manter vivo o que foi construído até aqui, né?

 

Na nossa época, não tinha grupo de estudos da cultura africana e afro-brasileira, hoje tem na Ufes. E por que abandonaram esse legado na Ufes? Portanto é ético, penso eu, estes assumirem esse legado dentro da universidade, porque o trabalho que nossa geração fez não pode ser apagado ou jogado fora; hoje é uma herança dos povos africanos no Espírito Santo, e é um espaço de afirmação e reafirmação, portanto a Ufes e os afrodescendentes que estão na universidade precisam urgentemente assumir esse legado, não como uma dança folclórica, tradicional ou da pesquisa sociológica ou antropológica. Não. Como arte acadêmica cênica.

Hoje existe um núcleo de estudo da cultura africana e afro-brasileira dentro da Ufes. Há um capital, um cargo para isso. Na nossa época não existia. Se ganham pouco ou ganham muito, na nossa época a gente não ganhou nada. E se acha que é pouco, lute para ganhar mais, mas negar, apagar ou afrouxar por isso... num país racista você vai ganhar pouco e não vai ser valorizado. Então ou luta, ou luta.

Nosso trabalho transformou-se no NegraÔ e em uma profissão no Espírito Santo, e essa profissão se transformou em uma escola, que é mantida com o dinheiro público, e isso para uma arte que há pouco tempo era chutada; para ter um espaço, uma sala com professores, em uma estrutura paga com dinheiro público... é um avanço absurdo, não se pode perder isso. O curso de qualificação tem que continuar aberto, o Mucane tem que continuar aberto. Todos os legados que a minha geração, enquanto aluno, e a geração do Cleber Maciel, enquanto professor, deixaram na Ufes não podem morrer.

Portanto, esse legado não ser tratado de uma maneira no mínimo ética dentro da Ufes... porque, no ano em que faz 70 anos da dança Afro-Brasileira Cênica e faz 30 anos de profissionalismo no Espírito Santo, a Ufes não comemorar e não escrever sobre isso é uma falta de respeito a Cleber Maciel, a Verônica da Pas, a Walter, a Ariane, a Ciça e a mim. Eles têm a obrigação, porque trata-se de uma instituição, e a Constituição da nossa nação obriga que eles façam isso, eles são pagos para isso, têm o dever moral de fazer isso. No Mucane, há o dever moral de manter o curso aberto. Em plena década do afrodescendente, está acontecendo isso, um apagamento de um conhecimento, de um saber afrodescendente, um apagamento dentro da Ufes, um apagamento dentro do Mucane. Isso pode ser considerado um crime de leso à humanidade e um desrespeito aos povos africanos, principalmente aos enraizados no Espírito Santo.

 

P: A partir da sua vivência, temos aí a importância de ter a dança, particularmente a dança afro, também como arte acadêmica, mas, para além disso, o que é a dança para você, na sua vida?

 

Eu vivo numa comunidade em que a música e a dança são muito presentes. Nós dançamos aqui em todas as épocas. Na Folia de Reis, dançamos para o menino Jesus criança, depois, no Carnaval. A escola de samba ensaiava aqui no quintal da minha casa; da casa do meu avô saía a Folia de Reis, então eu não me conheço sem a dança. E não me conheço sem a dança com os corpos africanos, afrodescendentes, e fazendo isso com uma potência enorme. Eu nunca não vi isso. Para mim, é a coisa mais natural possível. É difícil falar o que é. É porque é; é porque existe, é minha vida comunitária, é minha vida pessoal. Eu não sei o que é, porque eu não sei o que não é. Eu nunca não tive a dança, a música, a cultura, pessoas afrodescendentes potentes, bonitas, saudáveis, pulando, dançando, com o corpo em pleno agito, em plena potência máxima, em pleno volume máximo. Eu nunca não tive isso. Posso falar o que não é. O que não é, é a morte.

 

P: Você tem planos de um novo trabalho de dança?

 

Eu tenho vários prontos. Eu continuo criando. Tenho alguns antigos, que estou recuperando, e tenho vários outros novos que eu vou lançar. O baú já está cheio. Quando terminar a pandemia e abrir algum espacinho, eu já estou pronto. Estou treinando todo dia. E isso foi outra coisa que eu aprendi com a Mercedes, e depois a Pina Baush me confirmou – isso é o básico que você tem que fazer, isso espera-se, o que a gente quer é além disso.

 

P: Algum desses trabalhos já tem nome?

 

Tem, sim. “A Quinta Parede”, que é um espetáculo de multiplataformas. Eu peguei as músicas de Sérgio Sampaio, os textos de Rubem Braga e juntei, fiz um conto de um jornalista angustiado porque não tinha mais o que escrever, mas a cabeça dele estava cheia, ele tinha que escrever. Aí eu escrevi sobre essa pessoa, usando duas plataformas diferentes (música e crônica) e passei para a plataforma da dança-teatro. Esse é o meu espetáculo de reestreia. É um espetáculo que eu fiz em homenagem a Rubem Braga em 2001. Pretendo retomá-lo porque acho muito parecido com o momento de agora, que é uma pessoa dentro de uma casa, sozinho, isolado, tendo que produzir em home office. E tem um novo, que eu estou fazendo, que aí é segredo.


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